Projeto Ter.Vida promove integração entre comunidade acadêmica e usuários do CAPS
A mesa do café da manhã já estava posta com quitutes de Minas Gerais, bolos, biscoitos, café e sucos, mas ainda não era hora de degustar aquele cafezinho feito pela Profa. Mara. Os olhares naquela sala de aula estavam atentos aos relatos de vida de cada pessoa que tinha seu momento de fala. Não era um momento comum, uma aula formal; era um encontro denominado "Nada sobre nós, sem nós", um café coletivo e roda de conversa que aconteceu durante praticamente toda a manhã de uma quinta-feira ensolarada, no último 22 de agosto, no Centro Educacional da Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM.
A atenção das pessoas presentes naquela ocasião voltava-se para as pessoas que usavam os serviços do Centro de Atenção Psicossocial - CAPS Maria Boneca, da cidade de Uberaba, convidados a participarem de uma roda de conversa e de um café da manhã com graduandos e graduandas dos cursos de Psicologia e Terapia Ocupacional. Há de se destacar que a materialização desta iniciativa, com horas de aprendizagem, empatia e sensibilidade, era um grande desejo de Verti Lucas Evangelista, 57, que faz uso dos serviços do CAPS há mais de duas décadas. "Antes de adoecer eu convivia com os estudantes da faculdade, depois que eu adoeci eu passei vinte anos isolado. A partir do convite e das conversas com a profa. Mara eu vi que era possível conviver novamente" relata Verti sobre a oportunidade de conversar com os estudantes sobre o tratamento que ele faz no CAPS.
O encontro faz parte do Projeto de Extensão Ter.Vida idealizado e coordenado pelo Profa. Mara, 50, do Departamento de Saúde Coletiva da UFTM. O projeto foi idealizado em 2018 e começou a ser executado em 2019. Além do muros da universidade, as práticas extensionistas viabilizam experiências, trocas de aprendizados e conhecimentos que a teoria, sozinha, não conseguiria abarcar. O Projeto Ter.Vida é aberto aos estudantes de qualquer graduação da UFTM que se interesse em participar.
A profa. Mara, cientista social de formação, coordenava a roda de conversa. Sempre atenta e fazendo várias anotações, à moda antiga, papel e caneta, ela ia discorrendo pelas folhas de papel enquanto escutava com plena atenção as falas dos participantes da roda de conversa. Também estavam presentes no local uma assistente social e uma psicóloga que atuam na Residência Inclusiva, um projeto que atende 10 pacientes do CAPS. Ana Cristina Silva, 44, que estagiou no CAPS ainda à época que era graduanda, hoje, psicóloga, trabalha na Residência Inclusiva e destaca que é uma experiência muito rica, tanto pessoal quanto profissionalmente desempenhar suas atividades.
Mais ao fundo da sala e sempre atenta às falas das pessoas com transtornos mentais que ali se expressavam e compartilhavam histórias de vida sobre abusos, depressões, transtornos e esquizofrenia, a psicóloga Camila Bahia, 51, a qual possui uma experiência de 26 anos trabalhando com saúde mental e militante da luta antimanicomial, ressalta que são desafiadoras as atividades junto aos usuários dos serviços de saúde mental. "Na escuta e no cuidado aos pacientes é necessário uma intervenção a cada momento, é um cuidado muito importante e delicado. Uma pequena ação pode fazer uma grande diferença" enfatiza a psicóloga.
O projeto Ter.Vida coloca em prática um dos pilares da universidade pública, aproximando a comunidade da mesma. O tripé da educação superior nas universidades é formado pelo ensino, pesquisa e extensão. As práticas extensionistas são desenvolvidas pelas universidades por intermédio de seus professores e alunos, junto às comunidades locais. Em especial, no caso do Programa Ter.Vida, o projeto é desenvolvido junto a grupos de usuários dos serviços do CAPS em Uberaba. Além da coordenadora do projeto, profa. Mara, alunos extensionistas, estagiários do CAPS e profissionais de diversas formações que trabalham no serviço municipal de atenção psicossocial estão envolvidos nas práticas que são desenvolvidas.
Quem não vive pra servir não serve pra viver
É com essa frase que pode parecer clichê, mas que se torna um importante combustível para o dia a dia de quem trabalha com a atenção e o cuidado à saúde mental, que se pode despertar o desejo dos estudantes de graduação a participarem do projeto de extensão Ter.Vida e, quem sabe futuramente, se tornarem profissionais interessados a trabalharem nos serviços de atenção psicossocial.
Durante a roda de conversa, o estagiário e voluntário do Ter.Vida Vítor Hugo Ribeiro, 27, aluno do último período do curso de psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais e as extensionistas do projeto Ter.Vida, Sofia Passos, 23, e Giulia Origa, 22, respectivamente do 5º e 7º períodos do curso de psicologia, demonstram envolvimento e expressam a importância das experiências que adquirem no dia a dia com as atividades que desempenham no CAPS. Ao se manifestarem, ambos estudantes enfatizam o quanto é gratificante o aprendizado, onde é uníssono o cuidado de ambos com os usuários do CAPS e o cuidado que recebem de todos os envolvidos no tratamento e acolhimento aos usuários dos serviços. "Cuido e sou cuidada no CAPS", relatou a estudante Sofia a todos os presentes no café coletivo.
A partir da ótica contemporânea de atenção e tratamento às pessoas com transtornos psíquicos, advinda da Reforma Psiquiátrica promovida no Brasil, de acordo com a profa. Mara, docente da UFTM, "dentre os inúmeros desafios para que isso ocorra, além da estruturação de uma rede de serviços, cabe a desconstrução de estigmas e preconceitos, a ampliação da convivência e a formação de (novos) braços para a luta. Neste sentido, a interação de alunos de graduação com usuários, familiares, cuidadores e trabalhadores do CAPS Maria Boneca é fundamental".
Naquela manhã, no último dia 22 de agosto, na UFTM, mais uma semente foi plantada, despertando o interesse de estudantes que ainda não integram o projeto Ter.Vida. Era visível a integração entre a comunidade acadêmica, profissionais e pessoas que utilizam os serviços oferecidos pelo CAPS Maria Boneca, sobretudo quando uma estudante presente no encontro perguntou à coordenadora do projeto de extensão "como faço para participar do projeto?". Mara enfatiza que como educadora tem aprendido nos serviços comunitários que afetos e afetações compõem os processos formativos e acionam outros aprendizados, possibilitando outros caminhos na atenção à saúde mental e no tratamento de transtornos psiquiátricos. A docente cita a canção de Lulu Santos onde "há tanta vida lá fora" seja em relação ao CAPS, seja em relação à UFTM e às iniciativas de projetos de extensão.
(Gustavo Miranda)
Redes Sociais